Continuo aqui, enfrentando esta folha de papel em branco, apurando os meus sentidos para lhe sentir o toque macio e o cheiro quente. A caneta parece não me ser de serventia, parada na minha mão, e o meu pulso parece não se querer mexer, naquele movimento frenético do costume, quando inspirada, desenrolo as palavras e as derramo no papel. Gosto de desenhar cada letra na minha peculiar caligrafia, observando a forma mágica como as palavras se vão formando originando, tantas vezes, sentimentos avessos e até desconhecidos. Gosto do cheiro da tinta permanente, afirmativa, cheia de personalidade, que marcará de forma indelével aquela folha de papel que já foi em branco e agora já não o é mais.
Assim somos nós, como uma folha em branco a cada novo capítulo. Não vale a pena sequer tentarmos arrancar as folhas que albergam as passagens que menos nos agradam, do livro da nossa vida. Todos esses parágrafos terminam num ponto final, no pressuposto, mais que justo, de que todo o fim implica um novo começo. E em cada novo começo, uma nova página em branco.
Neste livro que faz prova provada da nossa passagem pela Vida, muitas vezes não somos nós quem escreve, mas tantas vezes somos só nós quem lê… Somos também como que um livro de visitas, que tanta gente que passa vai assinando, ou como um livro de autógrafos, onde recebemos as palavras que outros nos querem oferecer e dessa forma nos vamos fazendo gente, nos vamos deixando crescer em liberdade de sermos, não só nós, mas todos aqueles que de uma forma ou outra fazem parte da nossa vida, nos escolheram ou por nós foram escolhidos.
Nos momentos mais positivos, atrevo-me a retirar determinados capítulos mais difíceis da prateleira, folheando cuidadosa e demoradamente cada página, tentando entender algo de novo que no calor da situação e na cegueira da emoção tenha deixado escapar. Estes capítulos são apenas para ser remexidos quando sentimos dentro de nós a força e coragem suficientes e saberemos que as feridas, se as houver, estarão saradas no dia em que as lágrimas deixarem de rolar a cada leitura, ou isso, ou então secámos definitivamente e perdemos a capacidade de sofrer. Tenho medo! Mais ainda de perder a capacidade de amar…
(...)
Era Verão, participava de uma fuga lenta a um amor que não lhe estava destinado, quase que estava já convencida de que tinha virado a página, já não perdia a respiração quando o via, já não tremia quando lhe falava e tudo estava dentro dela mais pacífico desde que a sua determinação, que ainda hoje não sabe bem onde a foi buscar, a fez ter a coragem de assumir de que estava na hora de encerrar aquele capítulo. Um capítulo escrito de rosas vermelhas, símbolo do amor, e dos espinhos dessas mesmas rosas, inundado de lágrimas salgadas e de melodias que lhe conferem, ao capítulo, um especial “quê” no livro da Vida.
Já sorria, os dias já não se arrastavam, o Sol já brilhava de novo dentro de si, e ali estava ela perante nova folha de papel em branco, sentia que de novo o Amor a podia conquistar, estava disponível para que isso pudesse acontecer, sentiu-se de novo tremer, sentiu de novo que a respiração lhe falhava e que o chão não estava mais no lugar. Porém, cedo se revelou de que afinal, a folha não estava em branco… como que de repente surgiram páginas e páginas seguidas de uma história que já havia sido escrita. Surgiram do nada sem que ela pudesse fazê-las parar. Queria deter a crueldade daquelas palavras, queria apagar o sentido daquela história, mas estava escrita a tinta permanente, e ela sabia de que nada adiantava arrancar as folhas, pois também permanentemente ficaria inscrita no livro da sua vida. Por momentos, longos momentos, perdeu a noção de si, quem era afinal, de que era feita, o que a movia!?
Porquê!?
Tomou então as rédeas da escrita, e no meio da folha vazia, cheia de branco, macia, cheirando ainda a virgem, derramou a palavra que a seguir se dita:
FIM!
[Janeiro de 2011]